Mercosul: do discurso retórico à realidade cotidiana
O Cônsul Geral da Argentina na metade Oeste do Rio Grande do Sul Juan Carlos Vazquez, esteve participando da II Jornada de Estudos sobre Questões Jurídicas de Fronteiras do Mercosul, promovida pela Comissão Especial de Integração do Mercosul, Subseção da OAB de Santa Rosa. Falando com exclusividade ao repórter Alcindo Dalcin do Cooperjornal, manifestou a sua preocupação e a urgência em construir as bases legais comuns, não somente as comerciais, mas principalmente "aquelas que facilitam o respeito aos direitos e ao livre fluxo das pessoas entre os países e poderem realizar a sua natural vocação ao encontro".
Cooperjornal – Na prática, podemos distinguir o Mercosul real e o Mercosul formal, aquele dos tratados governamentais. Qual é o seu parecer sobre esta questão?
Juan Carlos Vazquez – O Mercosul dos tratados está em andamento, tem as suas limitações que aos poucos vem sendo superadas através das negociações a nível de governos. Mas o Mercosul real também faz parte do Mercosul dos tratados uma vez que ele envolve todos os habitantes das nações envolvidas neste processo e que tem seus interesses envolvidos nesse processo de integração, seja na parte de comercialização, cultural e em todos os aspectos que dizem respeito ao relacionamento e os interesses dos habitantes desses países.
Cooperjornal – Na região Fronteira Noroeste, existe uma integração informal muito intensa em todos os aspectos, ou seja, uma relação de vizinhança e amizade no esporte, parentescos, entre outros. Mas as organizações da comunidades reclamam a agilização de uma integração mais superior como os intercâmbios culturais, empresariais, entre outros.
Juan Carlos – Eu penso que o Mercosul começou muito antes do momento em que os governos iniciaram a negociar formalmente o processo de integração. Esta é uma realizada que não pode ser ignorada. Ao meu ver, o Mercosul começou pela parte errada, ou seja, pela integração comercial. As populações têm interesses muito diversos e, às vezes, maiores do que simplesmente uma relação comercial.
Cooperjornal – Porque o senhor considera isso um equívoco para a integração entre os povos?
Juan Carlos – Quando se pensa num processo de integração entre povos vizinhos, devemos saber que as próprias relações comerciais refletem o como as pessoas se relacionam com a sua produção e o valor que dedicam a este processo. Portanto, a integração comercial esqueceu as raízes da história e a cultura de cada povo. Eu penso que o Mercosul deveria ter se iniciado pela parte do conhecimento mútuo entre os povos dos países envolvidos. Historicamente, os paises vizinhos tem vivido uma história de constantes divergências, acirradas por uma falsa idéia de concorrência. Os povos do Mercosul durante um grande período de sua história têm vivido de costas um para o outro, numa relação de medo e auto-defesa. De modo que não temos um conhecimento mínimo do que somos uns e os outros. Eu confirmo isto pelo fato de que as pessoas dos países conhecem muito pouco da história dos seus países vizinhos, isto é, os argentinos conhecem pouco a história e da cultura, em toda a sua abrangência, do Brasil e de outros países e vice-versa. Os brasileiros sabem muito pouco do que é a Argentina e os argentinos, a sua diversidade e riqueza cultural, e vice-versa.
Cooperjornal – O fato dos povos de ambos os países desconhecem as suas histórias prévias, é um fator complicador que poderá atrasar a integração do Mercosul ideal?
Juan Carlos – Com certeza. O Mercosul representa uma ruptura não só das fronteiras comerciais, mas também de certa forma geográficas permitindo a livre circulação das pessoas, como também, uma certa ruptura nas culturas, uma vez que teremos que assimilar e compreender também as culturas dos parceiros vizinhos. Teremos que nos olhar e conviver de frente um para o outro e nos entender, conhecer a linguagem de cada um, conhecer os anseios e os ideais de futuro de cada povo. Saber falar a língua um do outro é pouco, pois esta é apenas um veículo de comunicação. Existe um desafio muito mais aprofundado que é o conhecimento mútuo, criar amizades e boa fé, afastar desconfianças para chegarmos finalmente a falarmos não só de países irmãos, mas também de pessoas irmãs, com desejos, sentimentos, culturas, comuns.
Cooperjornal – O senhor acredita que esta integração verdadeira entre os povos irá de fato acontecer?
Juan Carlos – Sim, eu tenho um otimismo muito grande na integração do Mercosul. Mas também me custa afirmar ou me perguntar se de fato existe um verdadeiro sentimento de irmanação entre as pessoas destes países, além do discurso retórico. Penso que temos muito ainda a nos desculpar mutuamente e, ao mesmo tempo, a nos esforçarmos na construção destas relações de irmanação real entre as pessoas dos países do Mercosul.
Cooperjornal – Com o processo de mundialização, em tese, as pessoas estão deixando de serem cidadãs de lugares específicos para, aos poucos, serem cidadãs do mundo. Isto traz um impacto muito grande nas relações entre os povos. Como podemos articular e administrar as diferenças políticas, jurídicas, e todas as demais?
Juan Carlos – As discussões relativas às transações comerciais estão bastante avançadas. Mas, a meu ver, existe uma lacuna muito importante a ser discutida e isto vem ocorrendo com muita lentidão. Trata-se do reconhecimento e da preservação dos direitos e deveres dos cidadãos entre os povos do Mercosul. A harmonização das questões comerciais são importantes para que um país não se volte contra o outro, provocando prejuízos aos países parceiros. A livre circulação de mercadorias vai trazer uma conseqüência imediata na circulação da mão-de-obra. Precisamos prever situações e prevenir para que os trabalhadores não ingressem nos países vizinhos e fiquem totalmente desprotegidos das leis trabalhistas, tornando-se um meio de exploração. Precisamos prever e prevenir inclusive a utilização da mão-de-obra em situação irregular, pois esta é lucrativa para as empresas, porém, prejudicial aos direitos e a segurança dos trabalhadores, inclusive a segurança previdenciária. Precisamos construir as formas legais para que todos os trabalhadores sejam recebidos e reconhecidos num e noutro país, não como uma concorrência desleal. É urgente que os juristas discutam uma harmonização das leis e influenciem sobre os legisladores dos países para que estas harmonizações se tornem leis equivalentes e permitam o livre fluxo dos cidadãos, de mão-de-obra e, de alguma maneira diluam os entraves no relacionamento cotidiano tranqüilo entre os povos.
Cooperjornal – Um ponto de estrangulamento nas relações entre os cidadãos dos países do Mercosul é o relacionamento nas alfândegas. Este é sempre um lugar que causa medo pelo tipo de tratamento que as pessoas estão recebendo das autoridades alfandegárias dos países. Como o senhor analisa este problema?
Juan Carlos - De fato, eu tenho percorrido toda a fronteira, desde Uruguaiana até Alba Posse e, confesso, fiquei muito chocado com o tipo de tratamento que os nossos agentes nas fronteiras estão dando às pessoas que por ali circulam. Existem muitos entraves estruturais que complicam demais a vida das pessoas, a começar pelos horários disponíveis para fazerem a travessia de barca. Eu diria que são verdadeiras arbitrariedades que dificultam a natural necessidade de encontro entre os povos. As pessoas sofrem com a forma arbitrária com que se decidem as coisas, às vezes bem simples que poderiam ser resolvidas com bom senso, como por exemplo, os horários de travessia das barcas. Muitas vezes as pessoas deixam de se encontrar, de conviver, participar de futebol, de bailes, casamentos, pela arbitrariedade dos horários das travessias. Os povos precisam evoluir na sua natural vocação para o encontro e não criar estruturas que criam oposições.
Cooperjornal – A Região Fronteira Noroeste, no que se refere ao relacionamento entre fronteiras, vive dois problemas: a falta de um alfandegamento adequado e a falta de uma ponte que interligue os dois países. Como o senhor está avaliando estas questões?
Juan Carlos – O Governo da Província Missiones já tem disponível a firme decisão de fazer a ponte entre Alba Posse e Porto Mauá, bem como, já colocou o dinheiro a disposição para execução desta obra. Isto inclusive ele anunciou na Fenamilho e aqui em Santa Rosa também. A pressão para a decisão e construção imediata desta ponte deverá vir necessariamente da comunidade organizada e da articulação das suas forças políticas. O meu compromisso particular é fazer um esforço para, uma vez construída a ponte, não se transforme num lugar onde os impecilhos burocráticos acabem sendo maiores que já antes. É um engano pensar que uma ponte vai acabar com todos os problemas de fronteiras. Precisamos prever e começar a agilizar soluções para que o fluxo entre as fronteiras se agilizem. Eu penso que as pontes devem ser de livre fluxo e não a multiplicação da burocracia. O mesmo digo das casas alfandegárias nas fronteiras.
Cooperjornal – Na sua opinião, o que está estrangulando a agilização das relações no Mercosu e o que pode ser feito para o Mercosul formal fluir?
Juan Carlos – Na minha visão, um dos pontos que podem fazer o Mercosul se tornar mais integrado e com relações mais ágeis e normais é criar as condições para que todos os agentes, autores, pessoas que fazem fluir a economia, a cultura, enfim, todas os aspectos que integram a vida cotidiana das pessoas, sejam ouvidos pelas autoridades governamentais dos países e que as suas opiniões sejam tidas em conta no momento em que avançar nas resoluções. Acredito que o ouvido das autoridades aberto à população apressaria, muito no melhor sentido e a favor das comunidades, o processo formal de integração do Mercosul. Insisto e penso que as comunidades deveriam reclamar serem ouvidas na sua pressa de avançar nas relações com os outros povos e que suas reclamações sejam incorporadas nas discussões governamentais, políticas e jurídicas e agilizar o processo de integração.
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