Um sopro de vida
11/07/2000 00:00 ter
Como de costume são dez para as oito e eu acordei atrasado de novo. O meu despertador pode se aposentar, pois preciso de um outro que me acorde no horário.
Tomo meu café em pé mesmo, ajeitando a minha camisa, embora nunca consiga abotoar as mangas e não tenha ninguém nesta casa que possa fazer isso por mim.
É assim mesmo, quando se mora sozinho. Mas estou conformado porque escolhi trabalhar em algo que me desse muito dinheiro, conforto e estabilidade. Tenho isso e muitos gostariam de estar em meu lugar; assim, estou contente.
No caminho para o trabalho, vejo sempre as mesmas caras: o menino vendendo jornal na banca e conversando com um senhor grisalho sobre as notícias do dia, a mulher cantando a mesma música do Roberto Carlos, enquanto varre a calçada da loja onde trabalha...
Hoje parece ser mais um dia normal. Tudo está em ordem, penso enquanto espero o sinal abrir. Sempre escuto o noticiário no rádio a caminho do serviço, só para incomodar meu colega antes que ele despeje o noticiário todo na minha mesa. É, o Arthur é um cara legal, só precisa emagrecer um pouco. Confesso que o tamanho dele me irrita, além da sua mulher que todo mês o põe no vermelho. E seus filhos? Sempre aquela folia, da casa pro colégio e do colégio pra casa. E ele ainda consegue chegar primeiro que eu na firma!
Tenho que fazer umas trinta entrevistas para o cargo vago no meu setor. São todos jovens com muitas expectativas, buscando a felicidade. Depois, estes mesmos jovens se apaixonam, casam e trabalham muito para sustentar a vida a dois. Então, a mulher engravida e logo já são três. O casal continua trabalhando para garantir a infância e adolescência do seu filho. Que ciclo de vida cretino! Poxa, meus pais também fizeram isso... Nunca refleti sobre a vida neste sentido.
Esse congestionamento de carro parece não ter fim. Que barulho infernal! O que aconteceu para ter esse tumulto todo? Para completar, a polícia tenta controlar a bagunça. Até parece que a gente não tem horário, mas estou atrasado mesmo. Vou ligar avisando que chegarei mais tarde...
Enquanto tento convencer o Arthur de que ele deve começar as entrevistas sem mim, um menino bate no vidro do meu carro. Era só o que me faltava, um pivete pedindo esmola e eu gastando dinheiro com o meu celular.
Fiz sinal para o menino de que não iria dar dinheiro porque estava ocupado no telefone. E ele insistia em chamar minha atenção. Sempre faço este trajeto e nunca vi este menino. De onde surgiu?
Me irritei, não sei se foi com o Arthur chorando porque não poderia fazer o trabalho sem mim, ou se foi por causa da insistência do menino. O meu dia estava perdido.
Quando baixei o vidro para dar-lhe algumas moedas, havia barulho e confusão de carros e pessoas; quando me agachei para pegar as moedas, do tumulto e do barulho surgiu uma imensa luz e um silêncio. Não tive medo. O aroma de jasmim que havia no ar me tranqüilizava.
Viro para a janela e vejo que o menino está com um sorriso nos lábios e com um semblante pacificador. Estendo-lhe a mão para dar o dinheiro, ele a fecha e me diz com muita calma: - Pobre de você que pensa ser feliz por possuir bens materiais e por julgar os outros, piores que você! Um dia também será julgado. Mas hoje lhe dou a oportunidade de melhorar a sua vida já que o mundo não gira em sua volta. Você deve cultivar a paciência, a humildade e principalmente o amor. As pessoas podem viver sem você. Sua vida não terá sentido se não for para servir ao próximo. Será através da doação e não de moedas como tenta fazer agora, mas com atitudes no seu dia-a-dia.
Passou sua mão com aqueles pequenos dedos sobre a minha face, segurando meu rosto e dizendo que eu nunca estarei sozinho e que a verdadeira felicidade está ao meu alcance. Soprou minha orelha e saiu devagar sorrindo. Foi quando acordei assustado e atrasado, pois era um sonho. Sentei na cama e chorei como jamais havia chorado. Então, percebi que a vida tem sentido.
A vida certamente faz muito sentido, especialmente quando é bem vivida, pois não precisamos procurar uma explicação para tudo.
O CONTE UM CONTO, chegou a sua reta final, com a escolha do melhor conto. Está vez, quem levantou a caneca foi: Carine Weiss, com "Um Sopro de Vida". Parabéns para a Carine e para todos que enviaram seu material, que ousaram a expor suas idéias e suas invenções. Aguardem novidades e preparem seus contos novos, daqui uns dias estamos de volta. Parabéns a todos....
• O conto foi selecionado por Pedro Berwian, Carla Berwian & El Nahual.
• Apoio: Jornal Questão de Outono, Estação das Letras, Bar El Nahual, Leite Quente.com. Na galera que enviou os contos. Valeu!!!!
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