DIALOGANDO SOBRE: "O ESTADO E O RELÓGIO DOS 500 OUTROS"
13/06/2000 00:00 ter
Entendi como importante a opinião que circulou nesta página a respeito das comemorações dos 500 anos do Brasil, quebra do relógio alusivo à esta data e abordagens sobre o papel do Estado. Resolvi, primeiro por discordar dela e segundo por entendê-la insuficiente para um boa reflexão, enviar um contraponto, como forma de estimular o debate sobre temas tão importantes.
Quando no primeiro parágrafo do referido texto o autor nega-se a discutir o "mérito" sobre as ações do governo federal, já coloca em suspeita a sua lisura na questão posta. Não há como falar em comemoração dos 500 anos, violência e Estado sem pautar o governo Federal, com seriedade e responsabilidade. Somente quem não quis ver, não percebeu que as atitudes do governo FHC ao colocar o exército, literalmente sobre os povos indígenas, os quais tentavam se aproximar dos locais da festa organizada somente para visitantes "ilustres", foram duma arbitrariedade e estupidez inacreditáveis. Temos de lembrar que na Baía da Cabrália, os povos indígenas ergueram um monumento como símbolo de resistência da sua gente ao longo destes 500 anos de opressão e extermínio, o qual foi demolido por ordem de FHC. Não tem como não lembrar que o governo federal gastou mais de 30 milhões para construir o espetáculo das comemorações, a nau capitânia que lembrava o "descobrimento" do Brasil, que nem sequer funcionou, custou mais de 3 milhões, enquanto faltam recursos para as áreas sociais.
Portanto, estes elementos dão condições de perceber como o governo federal é inimigo dos pobres e dos índios ao impedir à força que estes manifestem sua indignação com o que aconteceu e acontece no país. FHC chega a ser mais violento com os índios do que foram os colonizadores, ao menos estes não colocaram obstáculos na aproximação dos nativos às suas embarcações, por ocasião da chegada no Brasil.
Ignorar isto tudo é duma insensibilidade profunda. Há em FHC uma negação da verdadeira história, uma violência cada vez maior contra seu povo (não sei se é o seu) e uma inversão no papel do Estado, eis que gasta milhões em algo totalmente obsoleto, o que segue a lógica de sua política geral de entregar o país para o FMI.
Quanto ao relógio quebrado em Porto Alegre, por manifestantes das mais variadas vertentes do movimento popular, não sei se foi proposital ou não o esquecimento do autor, sobre o dono do tal objeto. Esta foi uma obra da RBS TV, filial da Rede Globo, a qual fez contagem regressiva para chegar na data dos 500 anos com chave de ouro. Isto é importante porque dá uma dimensão maior ao simbolismo deste relógio. Segundo aspecto omitido é o de que a polícia se fez presente no ato da quebra do relógio e agiu violentamente contra os manifestantes. O que algumas pessoas de bom senso tentaram fazer foi evitar que houvesse algum ferimento mais grave ou até morte, solicitando moderação de ambas as partes. O executivo estadual agiu e continua agindo sobre o caso.
Em que pese todos estes fatos, aqui no RS não houve nenhuma agressão contra o povo deliberada pelo governo, por ocasião de sua manifestação que deve ser respeitada. Se houve excessos, bom, aí cabe ao nobre operador jurídico (o autor) e aos demais leitores, a constatação que a constituição do Estado enquanto tal, não se dá apenas por um Poder. Neste caso, temos o Judiciário, o qual ao ser acionado, deve tomar procedimentos sobre o caso, como forma de perceber possíveis culpados e conceder-lhes as devidas sanções.
Por último, quero deixar bem nítido que os trocadilhos usados no título e na última frase da opinião do texto a que faço referência não é compatível com a consciência crítica do povo de Santa Rosa e do Rio Grande do Sul. Não se trata de "O Estado e o Relógio dos 500 outros", aqui é o Estado onde a história é contada segundo a versão dos oprimidos. Aqui, aqueles que ousam desafiar a luta deste povo organizado, levantando monumentos que exaltam os opressores, são recepcionados com a manifestação das ruas. Portanto, aqui são outros 500.
..."Esta é a resposta do Estado, ou melhor, deste novo Estado. Aceite-o ou rejeite-o." Este trecho dá conta da concordância do autor com a mudança no Rio Grande do Sul. De fato aqui temos um outro Estado, em termos de gestão. Aqui nega-se o autoritarismo e o entreguismo que governos passados fizeram com a máquina estatal. Aqui governa-se com participação popular. Aqui condena-se a opressão contra índios e negros ao longo da história. Condena-se os 20 anos de ditadura militar onde, aí sim, o Estado servia apenas para representar os interesses das elites, e usava da força armada para calar as manifestações populares. Talvez seja este o Estado que o autor defenda, visto que afirmava-se naquela época aos críticos do sistema - "Brasil, ame-o ou deixe-o". Vale salientar que este período foi comandado pela antiga ARENA, hoje PPB. O que está em curso no Rio Grande do Sul é um governo que foi vitorioso exatamente por construir uma trajetória de combate ao absolutismo do Estado e o seu entreguismo para os grandes grupos multinacionais, através das privatizações. Recomendo ao autor, com todo respeito, que atualize suas análises e não negue nenhuma vírgula da história, sob pena de ser pouco convincente.
Baía da Cabrália - monumento, mais de 30 milhões
Comentários:
Para fazer comentários, faça o login.
Seja o primeiro a comentar!